Grande Entrevista com Lúcia Moniz
Dados
pessoais
Nome
completo: Lúcia
Karine Tavares Moniz Semedo
Data
de nascimento: 18
/04/1981
Equipa
atual: Seven
Stars
Posição:
Médio
Centro
Lúcia
Moniz é sinônimo de humildade, motivação e superação. Nascida
em um país onde o futebol feminino ainda luta para conquistar o
apoio e o espaço facultado a outras modalidades desportivas, ela
construiu o seu percurso, entre a sala de aula, o seu primeiro clube
(Tapadinha) e a Escola de Preparação
Integral de Futebol, EPIF, até ser
reconhecida no território nacional como uma das melhores praticantes
de uma modalidade em tempos dominada exclusivamente pelos homens.
Moniz
concedeu uma entrevista ao SEKA PELI INFO, onde ela fala do seu
percurso no futebol feminino, sem esquecer dos melhores momentos da
sua carreira e da mensagem que gostaria de
transmitir as meninas que pensam em seguir os seus passos. Confira os
melhores momentos…
“Na
minha época era mais complicado porque os pais não aceitavam.”
Faça
uma breve descrição da Lúcia Moniz enquanto jogadora de futebol.
Sou
uma jogadora forte fisicamente e não muito dotada tecnicamente mas
com um bom remate. Sou uma jogadora que joga pelo coletivo e que
gosta de marcar golos …
Quando
e como começou a se interessar por futebol?
Comecei
a interessar pelo futebol quando tinha uns 12/13 anos e no liceu. Na
altura fazíamos jogos “inter ruas” e no liceu porque houve um
semestre em que a modalidade a ser lecionada era o futebol, o que me
despertou um certo interesse…
Quais
são as dificuldades que uma menina enfrenta quando decide ser
jogadora de futebol?
Na
minha época era mais complicado porque os pais não aceitavam. Hoje
vê-se mais na televisão, fala-se mais do futebol, há mais apoio
dos pais e uma maior abertura e acredito que acabam por incentivar
mais e mesmo nas escolas na educação física já ensinam futebol
não só aos rapazes …
Nota
alguma diferença no tratamento dado as mulheres que jogam futebol em
Cabo Verde em relação ao tratamento dado aos homens?
Claro
a diferença é grande, por exemplo em Santiago Sul o campeonato
masculino já está no fim e o nosso irá iniciar agora, ou seja
visto assim a prioridade é o futebol masculino quando termina é que
o feminino começa … e penso que as coisas podiam ser diferentes.
Acho que se podia perfeitamente fazer em simultâneo. E existem
algumas competições de futebol em Cabo Verde que são feitas apenas
em masculino a Taça Independência (Inter ilhas), e a Taça da Praia
(na cidade da Praia). Hoje em dia a maioria das equipas masculinas,
pelo menos na Praia, pagam os seus jogadores. Podemos dizer que são
semiprofissionais, o que não acontece com o futebol feminino…
Na
sua opinião, qual o maior obstáculo para o ingresso das mulheres
num clube de futebol?
O
preconceito, se bem que hoje em dia existe menos, a carência das
escolas de futebol que trabalham ligadas ao futebol feminino, a falta
de apoio ou patrocínios faz com que as equipas também não apostem
no futebol feminino e sendo assim, sem divulgação e sem condições,
as miúdas mesmo que dedicadas acabam por perder o interesse e muitas
vezes escolher uma outra modalidade.
Lúcia
Moniz é considerada das melhores jogadoras do futebol feminino de
Cabo Verde. Poderia
haver um risco de acomodação. Onde encontra motivação para evitar
isso e continuar a jogar?
Nunca
fui considerada a melhor jogadora de futebol em Cabo Verde, mas em
2012 ganhei o prémio de melhor jogadora da cidade da Praia. Eu não
me acomodo gosto de jogar futebol e exijo sempre o melhor de mim e
não gosto de perder e para não perder e estar a um nível sempre
elevado, tenho que trabalhar e dar o meu máximo a cada treino,
chegar aos jogos e por em prática.
Há
jogadoras, colegas de equipa e adversárias, que declaram serem fãs
sua. O que acha disso?
A
sim? Não sabia… fico feliz por saber que as minhas
adversárias/colegas gostam da minha maneira de jogar, admiram-me e
reconhecem o meu valor. Dá-me uma maior responsabilidade de
trabalhar e estar sempre num bom nível e tentar ser um bom exemplo
para elas. Eu também sou fã de muitas jogadoras de Cabo Verde. É
difícil não ser fã temos várias jogadoras talentosas.
Na
altura da realização da Gala do Desporto Cabo-verdiano, edição do
ano 2013, na sua página do Facebook, Lúcia queria
saber o porquê da ausência do futebol feminino. Alguém chegou a
falar consigo sobre o assunto? Passados alguns meses qual é a sua
opinião sobre o mesmo?
A
nossa direção não ficou parada. Reclamamos e acabamos por ser
comtempladas com o merecido prémio. Eu acho que iniciativas dessas
por parte dos organismos que tutelam o nosso desporto são louváveis
e devem continuar, mas os critérios de seleção/nomeação devem
ser claros e todas as equipas devem ter conhecimento do regulamento
para que depois não haja equívocos, reclamações e tentativas de
exclusão.
Atualmente
a Lúcia faz parte do Seven Stars, atual campeão nacional do futebol
sénior feminino tendo vencido na final o Mindelense por 2-0, com o
primeiro golo a ser marcado por si. É
de notar que esta equipa do Seven Stars é composta toda ela pelas
antigas jogadoras da EPIF que já se tinham consagradas por duas
vezes consecutivas campeãs de Cabo Verde. Fala-nos dessa mudança ou
dessa nova experiência.
Sim
marquei um golo na final muito importante para mim porque estava
lesionada e fiz o campeonato a meio gaz. E o golo acabou por motivar
a minha equipa e acabamos por vencer e quanto a mim fomos justos
vencedores. A equipa do Seven Stars do ano passado toda ela era
composta por ex-jogadoras da EPIF, foi uma mudança rápida. A duas
semanas do campeonato começar tivemos uma reunião e decidimos que
as coisas como estavam na EPIF não poderiam continuar e como há um
ditado que diz que “quem está mal é que deve mudar” então
decidimos mudar.
Como
capitã e porta-voz do grupo comecei a procurar soluções e através
da jogadora e sub-capitã Elsa tivemos uma reunião com o Sr. Gil
Èvora do Seven Stars que nos recebeu muito bem e mostrou-se
entusiasmado com o novo projecto e depois a direção do Seven Stars
decidiu abraçar o projecto de futebol feminino, que no primeiro ano
foi campeã Regional e Nacional.
É
claro que o trabalho de base já estava feito pela EPIF foram muitos
anos e estávamos habituadas a jogar juntas, mas a mudança trouxe às
jogadoras um novo entusiasmo uma nova motivação. E com o trabalho
que foi realizado pela equipa técnica do Seven conseguimos atingir o
nosso objetivo que era sermos campeãs, e desde então não perdemos
nenhum jogo.
Agora
estamos a preparar para começar o campeonato Regional com o
objectivo de defender o título. A experiência tem sido positiva,
aliás antes não tinha a noção do trabalho do Clube Seven Stars,
hoje estou por dentro e sei da dimensão do trabalho do clube e
aproveito para agradecer à direção e ao Gil por ter acreditado e
apostado em nós.
“(…)fiz
grandes amigos e hoje tenho boas amizades graças a minha passagem na
EPIF.”
Já
agora conta-nos com foi a sua formação na EPIF.
O
meu percurso no futebol começa por falar antes da EPIF.
Comecei
no futebol com 15 anos. Treinava no campo «Baxu Rubera» de Paiol,
também treinava futebol de salão com a Equipa da Empa. Depois
comecei a jogar com a equipa da minha zona, Achadinha, que se chamava
Tapadinha. Nessa altura faziam muitos torneios Inter Zonas e
ganhávamos sempre. Tínhamos uma equipa muito forte. Lembro-me que
na época fizeram uma seleção de Santiago que iria participar num
torneio inter ilhas no Sal e fui selecionada. Só da minha equipa
erámos 9 jogadoras e fomos campeãs. Na altura tinha 17 anos, as
outras jogadoras eram mais velhas, com mais experiências e fui
aprendendo com elas.
Mas
não eram escolas de futebol, não havia muito tempo e condições
para ensinar e fazer um trabalho de base. Cheguei à EPIF com 19 anos
e já tinha passado 4 anos a jogar, mas sentia necessidade de
aprender mais. E na EPIF tive essa oportunidade aperfeiçoar o meu
futebol. Aprendi muito, viajei com escola para ir jogar nas Canárias
e Holanda que foram dois grandes projectos enquadrando o futebol
feminino onde tivemos uma excelente prestação. Tive praticamente 13
anos intercalados na EPIF.
Fui
estudar em Portugal, mas sempre que vinha de férias treinava e
jogava na EPIF e quando regressei de vez voltei a jogar na EPIF. Ou
seja, a EPIF foi a minha família no mundo do futebol, onde aprendi
não apenas lições do futebol mas da vida, fiz grandes amigos e
hoje tenho boas amizades graças a minha passagem na EPIF. A maioria
dos títulos importantes que conquistei foi com EPIF.
Neste
momento estou noutro projecto mas tenho uma forte ligação à EPIF e
uma boa relação com o pilar da EPIF, que é o Mister Djedji.
Preocupo-me em saber se tudo está a correr bem e sei que se a EPIF
precisar de mim e eu da EPIF iremos nos ajudar mutuamente. E acredito
que se não tivesse na altura optado pela EPIF não teria tanto
sucesso no futebol. Quem passa pela EPIF e quem viveu a EPIF fica
sempre com o sentimento de família e com uma grande ligação e
carinho pela escola.
Não
fica com um amargo de boca sabendo que poderia dar mais ao seu país,
se por acaso tivéssemos uma seleção nacional de futebol feminino?
Claro
que sim. Quem joga sonha sempre em representar o seu país e temos
tantas jogadoras de qualidade em Cabo Verde e mesmo fora do país.
Certamente teríamos uma boa seleção. No ano passado no Campeonato
Nacional de Futebol Feminino ficou a promessa por parte do Sr. Mário
Semedo que a selecção de Futebol feminino estaria para breve. E
acredito que agora com o sucesso dos tubarões azuis a FCF esteja a
preparar para iniciar com a selecção feminina de Futebol, tudo tem
o seu processo e o seu tempo e penso que chegou a nossa vez. E assim
como aconteceu com o masculino iremos certamente ter sucesso, porque
o que não nos falta é talento.
Como
descreve a participação dos Tubarões Azuis no CAN na Africa do
Sul? O que é que mais a surpreendeu pela positiva e o que é que
faltou para irmos mais longe?
Eu
vi a selecção a jogar e via as outras selecções e sentia que
iríamos fazer uma boa prestação na CAN o que acabou por acontecer.
Os jogadores estavam motivados. O país conseguiu transmitir uma
energia positiva e a participação foi espetacular. Foi pena não
conseguirmos vencer o Gana mas jogamos muito bem e penso que a nossa
participação foi positiva e que surpreendeu muita gente.
“Todos
os prémios de melhor jogadora e melhor marcadora que recebi ficam
sempre na memória como grandes momentos porque é sempre o
reconhecimento do trabalho.”
Qual
o acontecimento que descreve como sendo o mais bonito na sua
carreira?
Não
consigo descrever apenas um momento. Tenho alguns bons momentos tanto
no Futsal em Portugal como no Futebol de 11. Mas o primeiro grande
momento foi na final inter ilhas, na Ilha do Sal, onde marquei o
primeiro golo da Selecção de Santiago e ganhamos por 2.1.
Todos
os prémios de melhor jogadora e melhor marcadora que recebi ficam
sempre na memória como grandes momentos porque é sempre o
reconhecimento do trabalho.
Lembro-me
também de um empate frente a equipa do Benfica quando jogava nos
Leões. O Benfica já não perdia e nem empatava a 2 anos e nós
conseguimos arrancar um empate ao Benfica e nesse ano a nossa equipa
ficou em 3ºlugar, melhor classificação conseguida pela equipa dos
Leões do Porto Salvo num campeonato regional de Lisboa.
Mas
não posso deixar de destacar a final do campeonato nacional do ano
passado contra a equipa do Mindelense. Num ano de mudanças e de
grandes sacrifícios, tanto para mim como para as minhas colegas de
equipa, e de muitas lesões, mas no fim veio a grande recompensa
conseguimos atingir o nosso objetivo que era sermos campeãs
nacionais. E levantar o troféu de campeã nacional é sem dúvida um
grande momento.
Qual
a mensagem que gostaria de deixar as meninas que pensam seguir os
seus passos?
Que
não desistam de jogar futebol. Hoje o futebol feminino vai ganhando
cada vez mais o seu espaço e hoje podem estar em Cabo Verde a jogar
e amanhã podem estar numa equipa de nível mundial. Encarem o
futebol com seriedade, não desanimem com os obstáculos que vão
aparecendo pelo caminho, divirtam-se a jogar futebol e mostrem que
Cabo Verde tem grandes jogadoras, trabalhem sempre com muita
dedicação, muito querer, muita força e muita humildade. Acredito
que muitas têm espaço no futebol internacional como aconteceu no
ano passado que foram 3 jogadoras do Seven para Portugal .
Quem
é o seu ídolo?
Klismman
pela facilidade que tinha em marcar golos. Ronaldinho Gaúcho pela
sua habilidade e magia. Zidane pela forma de saber tratar a bola e de
momento o Messi pela simplicidade de jogar futebol fazendo parecer
que é tudo fácil.
O
SEKA
PELI INFO
agradece a sua entrevista, o empenho
e a disponibilidade.
Por:
Nilton Ravier Cesare
São entrevistas como estas é que deixam as cabo-verdianas orgulhas pela nacionalidade e pela raça. E com vontade de perseguir os seus sonhos.
ResponderEliminarParabéns pele entrevista
Pois é Romina Perrerira Vaz. E... Lucia! Parabens pela entrevista, sobretudo pela humildade i gratidao pela nossa casa, EPIF. Tal como Kuka, falaste sobre a importancia da EPIF, na tua vida. E isso nos deixa contentes e orgulhosos ao ver esta declaração pq e um gesto nobre vindo de um atleta q passou pela EPIF e q teve sucesso na vida e no futebol. Este e um gesto raro no seio dos demais jogadores q passaram pela EPIF e q hoje atingiram o sucesso tanto na vida como no futebol. Espero q tanto a sua entrevista como a do Kuka os sirvam como exemplo. Força ai... e q Deus lhe dê mais sucesso na tua vida e na tua carreira. Um abraço. Palo
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